"A
terceirização é, talvez, a forma mais selvagem de precarização", afirma
ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
05/11/2013
Para Grijalbo Fernandes Coutinho, PL
4330/04 é um retrocesso com relação à súmula 331; projeto permite terceirizar,
sem limites, em todo e qualquer segmento
Na última semana, o juíz do Trabalho da
10ª Região e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, participou de um seminário
sobre terceirização realizado na Escola Judicial do TRT4. Na ocasião, Grijalbo
Coutinho concedeu ao site do TRT4 a entrevista que segue, onde fala sobre a
terceirização e o Projeto de Lei 4.330/04.
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Quais são os impactos
da terceirização para o trabalhador?
Na minha compreensão, os impactos são
todos negativos para o trabalhador. Não há sequer uma vantagem. A terceirização
surge com maior intensidade a partir dos anos 70 e ganha corpo definitivamente
no Brasil na década de 90. Hoje é uma verdadeira febre.
A terceirização tem dois propósitos
muito evidentes: o econômico e o político. Sua razão econômica é permitir aos
patrões a diminuição de custos com a exploração da mão de obra. Vários
argumentos são usados no sentido de que se trata de especialização, de
racionalização, mas tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho
político. Nesse ponto o objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los,
especialmente em suas representações sindicais.
A ideia de que a terceirização cria
novos postos de trabalho é inverídica. Os postos de trabalho são uma
necessidade de determinado setor. Ou você utiliza a mão de obra contratada
diretamente pelo tomador de serviços ou o faz por meio da terceirização.
O senhor menciona um
crescimento da terceirização no Brasil nos anos 90. Por que isso ocorreu?
Esta foi uma tendência mundial. O
capital se reestruturou a partir dos anos 70. Houve uma crise econômica
evidente, a crise do petróleo, do capitalismo norte-americano. E o capitalismo
foi bastante hábil para se reinventar, para continuar com aquela máxima de
gerar lucro e criar riquezas materiais. Um das formas de fazer isso é
justamente diminuir o poder do trabalho e de todas as suas organizações. Nada
foi por acaso.
Assim como se verifica, a partir dos
anos 90, um processo intenso de privatização e de esvaziamento do Estado, por
outro lado há um duro golpe contra o trabalho. Houve a reestruturação dos modos
de produção, com utilização intensa dos recursos da robótica e da
microeletrônica, e a fragmentação da cadeia produtiva. Essa fragmentação ocorre
tanto na terceirização interna quando na externa.
A terceirização externa é observada
principalmente nas grandes empresas automotivas, onde a fragmentação é total.
As peças de um carro são fabricadas em diferentes regiões e países, sempre com
o intuito de se conseguir o menor custo. Na terceirização interna, contrata-se
um empregado e arranja-se uma pessoa para figurar como intermediário de mão de
obra. As duas formas são terríveis para o trabalhador. A diferença é que na
interna a fraude é escancarada, e na externa é menos perceptível.
Em qualquer caso, o
senhor considera a terceirização uma precarização da relação de trabalho?
A terceirização é, talvez, a forma mais
selvagem de precarização. Ela é mais selvagem do que o “negociado sobre o
legislado”, porque esconde o verdadeiro empregador, o verdadeiro beneficiado
com a mão de obra. Acho que os capitalistas não imaginavam, no fim do século
XIX e início do século XX, que arranjariam um artifício tão bem construído para
enganar os trabalhadores.
Hoje o mundo jurídico do trabalho
apresenta algumas soluções intermediárias, como se pretendesse remediar os
efeitos, tapar alguns buracos. Mas isso na verdade acaba abrindo as portas para
o fenômeno.
A súmula 331 do TST, de 1993, é o
exemplo de uma solução intermediária. Ela admite a terceirização naquilo que é
atividade meio e proíbe a atividade fim. A partir desse parâmetro os diversos
operadores de direito têm se guiado. Eu reconheço a vontade política do TST de
pôr um freio no problema. Mas ao mesmo tempo, abriu-se a porta larga para
terceirização. E hoje o capital se acha tão forte que súmula já não resolve seu
problema. Parte considerável do capital estabelecido no Brasil, nacional e
estrangeiro, quer mais. Quer a possibilidade de se terceirizar em qualquer
atividade, meio ou fim, e sem quaisquer limites. É definitivamente uma era da
precarização absoluta. O que o PL 4330/04 pretende é ampliar os níveis de
precarização e de miséria social.
O PL 4330/04 é um
retrocesso com relação à sumula 331?
Sem dúvida. Tenho objeção total à
súmula 331, mas o PL 4330/04 é um tapa na cara dos trabalhadores brasileiros e
de suas organizações sindicais. É o escárnio. Se não é o fim do Direito do
Trabalho, é o mais duro golpe que se pode proferir contra ele, na sua historia
centenária. Nada mais grave foi praticado contra as relações de trabalho
institucionalizadas desde o fim da escravidão.
Por esse projeto, o Direito do Trabalho
vai atuar de forma superficial sobre relações precarizadas, flexibilizadas,
irrelevantes. Os empregadores vão se sentir à vontade para aumentar sua margem
de lucro e fugir da responsabilidade que é inerente à relação entre capital e
trabalho: a tensão social. Eles transferem essa tensão, de forma muito diluída,
a um terceiro que não reúne condições econômicas, financeiras ou políticas de
suportar qualquer pressão.
A súmula 331, para o
senhor, já era um retrocesso com relação ao enunciado 256?
Sim. A súmula 331 é de um momento em
que o trabalho começou a se fragilizar, e a terceirização a ganhar força.
Alguns entendiam que era uma realidade inevitável. Não era mais aquele quadro
dos anos 80. O TST, tentando se aproximar de uma dura realidade, alterou sua
jurisprudência. Percebendo a correlação de forças entre capital e trabalho e
vendo aquele fenômeno se alargar cada vez mais tentou por um freio. E, como
disse, esse freio acabou abrindo um pouco mais a janela da terceirização.
Mas esse projeto que aí está, o PL
4330/04, é algo sem precedentes. A súmula 331, frente ao PL 4330/04, vira uma
referência de proteção. Quando na verdade não é.
Qual é o ponto mais
grave do PL 4330/04?
É a abertura larga, sem freios e sem
limites, da terceirização. É a terceirização em qualquer segmento, em qualquer
atividade e sem nenhum limite quantitativo. Há outros aspectos graves, mas esse
que permite terceirizar em tudo, em qualquer segmento ou atividade econômica é
o central. É o mais nocivo do projeto.
É possível fazer uma
distinção clara entre atividade meio e atividade fim?
Não, não é fácil. Embora a súmula 331
faça a distinção, ela não conceitua o que é atividade fim e o que é atividade
meio. Mas a Justiça do Trabalho tem atuado, majoritariamente, com critérios e
uma certa rigidez que não permite uma terceirização tão ampla como esta que se
propõe.
Não tenho dúvidas de que esse projeto,
que tramita no congresso nacional há quase dez anos, ganhou força nos últimos
tempos porque setores do capital já não toleram mais a sumula 331, querem mais
do que isso. Se sentem incomodados com as interpretações proferidas por juízes
e tribunais acerca dos limites da terceirização. O projeto foi retirado da
gaveta em um movimento intenso do capital e do seu lobby.
Alguns defensores da
PL 4330/04 afirmam que ele é necessário em face da realidade brasileira, onde a
terceirização é cada vez maior. Qual a sua opinião sobre isso?
O fato de ter aumentado o número de
terceirizados não significa que tenhamos que ter uma legislação para isso. O PL
4330/04 acaba por legitimar esse quadro. Eu acho que existem repostas políticas
e jurídicas para resolver o problema. Esse projeto agrava a situação.
Falsamente se diz que o projeto vai resolver o problema de 16, 20 milhões de
terceirizados. É falso. Vai agravar a situação. Vai reduzir o salário desses 20
milhões e colocar mais 40 ou 50 milhões nesse mesmo quadro. Não vai resolver
absolutamente nada, o projeto é uma falácia. É muito bom para o setor
empresarial que faz uso da terceirização. Não tenha dúvida. É espetacular para
todos que querem reduzir os seus custos e sua responsabilidade social.
Qual seria a reposta
adequada do Judiciário para a terceirização?
O Judiciário tem que refletir. Eu sei
que ele é composto de homens e mulheres das mais variadas tendencias
ideológicas, é natural que assim o seja. E com essas diversas tendências a
Justiça do Trabalho tem dado respostas. De algum modo tem impedido a consumação
de uma terceirização sem limites. Já é alguma coisa.
Na minha compreensão, deveríamos ir além. Deveríamos avançar no sentido
de vetar a terceirização. Nesse ponto sou voz minoritária. Mas acho que, na
medida do possível, a Justiça do Trabalho tem atuado de forma eficaz para
evitar a propagação desse fenômeno econômico absurdamente terrível para a
democracia no país.
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