Desembagadores por unanimidade negam recurso a Prefeitura de Nova Esperança
Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 660.855-5, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Nova Esperança.Relator: Juiz Subst. 2º Grau Fernando César Zeni
Apelante: Município de Nova Esperança
Apelado: Pedro Alves dos Santos
Interessados: Maria Angela Silveira Belinati e outro
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE NARRAÇÃO DOS FATOS NA PORTARIA QUE DEU INÍCIO AO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. ART. 5º, INC. LV, DA CF E LEI MUNICIPAL N.º 1.323/96 (ART. 249). CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. APELO DESPROVIDO. Se no processo administrativo disciplinar não foram explicitadas as condutas ilícitas imputadas ao servidor, tampouco indicados os preceitos legais eventualmente violados, há violação ao princípio constitucional da ampla defesa, visto que o investigado, no momento em que foi cientificado da instauração do processo administrativo disciplinar, não teve a prévia ciência acerca das razões pelas quais estava sendo investigado, o que lhe impossibilitou o pleno exercício do contraditório e, repita-se, da ampla defesa. Como conseqüência, é inafastável a anulação do processo administrativo disciplinar a partir da citação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 660.855-5, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Nova Esperança em que é apelante Município de Nova Esperança, apelado Pedro Alves dos Santos e interessados Maria Angela Silveira Belinati e outro.
Trata o presente recurso de apelação cível interposta contra decisão de f.147/153, proferida em mandado de segurança impetrado por Pedro Alves de Oliveira em face de ato praticado pelo Secretário da Administração do Município de Nova Esperança e outro, que foi julgado procedente para declarar a nulidade do procedimento administrativo que havia determinado sua demissão, determinando a sua reintegração ao cargo anteriormente ocupado com pagamento da integralidade dos seus vencimentos, condenando o impetrado ao pagamento das custas processuais.
Nas suas razões (f. 155/166), alegou a parte apelante, em síntese, que não há ilegalidade que vicie o procedimento administrativo, porquanto: a) não houve intimação do advogado do impetrante porque este não juntou instrumento de mandato, bem como também não houve intimação do SISMUNE, porque inexiste exigência legal neste sentido (Lei n.º 1.323/1996); b) "[...] a Portaria n.º 10.654/2008 possui todos os requisitos essenciais ao exercício do contraditório e ampla defesa, visto que indica a tipificação legal da infração em tese cometida pelo indiciado. Ademais, a instauração do processo administrativo em questão baseou-se em tudo o que foi amplamente apurado na sindicância (Portaria n.º 10.333/2007) [...] (Sic- f. 158)";c) o erro ocorrido na citação para o processo administrativo não acarreta sua nulidade, haja vista que as datas do ofício e da oitiva de testemunhas estavam corretas no documento anexado, ainda que não prevista tal determinação no art. 249 do Estatuto dos Servidores; d) o comparecimento do impetrante para prestar depoimento, supriu as nulidades apontadas, consistentes na falta do extrato de Portaria acompanhando a citação, que ocorreu no mesmo dia do depoimento, violando o art. 256, §1º, do Estatuto dos Servidores, que prevê prazo mínimo de 48h; e) o impetrante somente foi inquirido sem a presença de advogado, a quem a intimação deveria ser dirigida, porque não o havia constituído. A nomeação de defensor dativo só seria permitida nos casos de revelia, de acordo com o art. 257 do Estatuto dos Servidores, o que não ocorreu. Ainda, o prazo reduzido para a sua defesa não foi determinante para o seu desfavorecimento nos procedimentos administrativos; f) todas as testemunhas arroladas pelo impetrante foram ouvidas e não havia necessidade de sua intimação para se manifestar sobre os documentos juntados pela comissão processante, dado o informalismo do procedimento administrativo; g) verificada a impossibilidade de conclusão dos trabalhos dentro do prazo, foi solicitada pela Comissão, nos termos legais, prorrogação,
intimando-se o impetrante em 07.07.2008 para apresentar, em dez dias, defesa, após oitiva de testemunhas arroladas no processo. Ainda, afirmou que não restaram configurados os prejuízos apontados pelo impetrante, que não refutou as imputações que lhe foram dirigidas, não havendo que se cogitar a nulidade do procedimento administrativo, haja vista que, de fato, houve cumulação de cargos públicos pelo impetrante, razões pelas quais se postulou pelo provimento do recurso.
Recebido o recurso apenas no efeito devolutivo (f. 168), foram apresentadas contrarrazões pelo apelado (f. 169/172).O Parecer do Ministério Público de primeiro grau (f. 174/181) é pelo conhecimento e improvimento do recurso, bem como pelo traslado de documentos a fim de se instaurar inquérito policial.
Neste grau de jurisdição, dado vista à Procuradoria Geral de Justiça (f.189), houve manifestação no Parecer de f. 194/206, pelo conhecimento do recurso de apelação e reexame necessário, para o fim de manter a sentença proferida.
É o relatório.
A sentença abordou todos os aspectos pertinentes ao caso com precisão. A portaria de f. 17 é indiscutivelmente nula e violou os princípios da ampla defesa e do contraditório, na medida em que o servidor não teve prévia ciência dos fatos que pesavam contra sua pessoa. Aliás, após a citação de louvável trecho da sentença que muito bem decidiu o caso, serão feitos comentários acerca de outro equívoco que, na ótica deste relator, também vicia o procedimento.
Cito, como fundamento, os termos da sentença:
"7. Trata-se de mandado de segurança, onde o impetrante argumenta que as autoridades coatoras, ora impetradas, o teriam demitido com base em processo administrativo disciplinar eivado de nulidades, pretendendo ver declarada a nulidade do processo, com a reintegração do impetrante aos quadros de servidores do município. 8. Analisando os argumentos e documentos constantes dos autos, entendo que o direito líquido e certo do impetrante deve ser reintegrado ao quadro de servidores municipais de Nova Esperança deve ser reconhecido. Ele foi demitido por ter praticado fato tipificado no artigo 228, VII, da Lei Municipal nº. 1.323-96 (Estatuto dos Servidores): "Art. 228. A pena de demissão será aplicada por motivo de: I (...) VII Lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio municipal". 9. Ocorre que as irregularidades e ilegalidades havidas no decorrer da sindicância e posterior processo administrativo disciplinar devem ser declaradas, não podendo subsistir a demissão, eis que fundada em processo nulo, por inobservância de alguns prazos e formalidades legais exigidas. O processo administrativo instaurado em desfavor do impetrante teve por base a Portaria nº. 10.654 (fls. 63), que por sua vez não atendeu ao contigo no artigo 249, do Estatuto dos Servidores. Este dispositivo legal está assim redigido: "Art. 249. O processo será instaurado mediante portaria que especifique claramente as faltas que estão sendo imputadas ao servidor e designe a autoridade processante.Parágrafo Único. Quando a noticia da irregularidade houver sido dada por documento escrito, este acompanhará a portaria".10. A portaria em comento não especificou claramente as faltas imputadas ao impetrante, apenas mencionou que diante das irregularidades apontadas na sindicância administrativa, tipificadas no artigo 216, II e VII, do Estatuto dos Servidores, resolveu-se instaurar o processo administrativo. O artigo 216 do Estatuto trata das proibições aos servidores, dispondo em seus incisos II e VII que: "Art. 216. Ao servidor é proibido: I (...) II retirar, sem prévia permissão da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição; III (...) VII Empregar material do serviço público em serviço particular". 1. Ocorre que mera menção ao dispositivo legal não é suficiente para suprir o requisito do artigo 249, do Estatuto, o qual reza que a portaria deve especificar claramente as faltas imputadas ao servidor. Que faltas formam imputadas ao impetrante? Que documentos e/ou objetos ele retirou da repartição sem permissão da autoridade competente? Que material público foi utilizado pelo impetrante para serviço particular? Como bem lançado no parecer ministerial reatro, quais irregularidades foram apontadas na sindicância: o desvio de vinte litros de álcool? o desaparecimento do óleo diesel do caminhão basculante? o óleo diesel da motoniveladora? os fios das lâmpadas? o pneu do caminhão 608? a mangueira de óleo de um dos caminhões? o combustível da Kombi? todos esses fatos? alguns deles apenas? 12. Ainda que vigore o princípio dos informalismo no processo administrativo, nem por isso deve ser desprezada a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório.
Seria essencial que a portaria descrevesse os fatos investigados com suficiente especificidade (qualificação dos fatos e sua ocorrência no tempo e no espaço) de modo a delimitar o objeto da controvérsia e permitir a plenitude da defesa, evitando declaração de nulidade de peça inaugural e de todos os atos processuais que a sucederam. Tem-se então, que todo o processo administrativo disciplinar instaurado em desfavor do impetrante esteve fundado em portaria que não especificou claramente sequer um fato, um falta a ele imputada, devendo, por obvio, se declarado nulo.13. Também durante o trâmite do processo, várias nulidades foram verificadas. A citação do impetrante não observou o prazo mínimo de 48 horas com relação à audiência inaugural, previsto no artigo 256, parágrafo único, do Estatuto dos Servidores Municipais, e também não foi acompanhada de extrato de portaria lhe permitisse conhecer o motivo do processo, conforme se observa às fls. 64/65 dos autos. Não foram observadas ainda as disposições do artigo 263, do Estatuto, que concede prazo de cinco dias ao servidor para requere provas, eis que conforme consta às fls. 65, lhe foram concedidos apenas dois dias. 14. Não há como alegar "irregularidades" procedimentais não acarretaram prejuízo à defesa do impetrante. A inobservância ao contraditório a à ampla defesa foi tão assombrosa que o impetrante sequer foi intimado das datas designadas para inquirição das testemunhas. Observe-se às fls. 73/87 que as testemunhas forma notificadas a comparecer na Sala da Procuradoria Jurídica no dia 09/06/2008, porém o impetrante não foi intimado desta audiência para inquirição das mesmas. Estas são algumas das nulidades constadas, sendo desnecessário tecer considerações a respeito de todas as indicadas na exordial, eis que estas já analisadas se mostram suficientes a declarar nulo todo o processo. 5. Verificando, assim, que o processo administrativo disciplinar nº 001/2008, instaurando em desfavor do impetrante, não respeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa, estando eivado de nulidades, outro desfecho não resta ao presente que não a concessão de segurança pleiteada."
A afronta aos preceitos constitucionais não pode convalidar atos nulos, sobretudo porque não foram observadas as formas corretas desde o início do procedimento administrativo.
A falta de apontamento preciso acerca da conduta do servidor, que serviu de base para posterior exoneração, é vício insanável que macula todo o procedimento, justamente porque impede o exercício da ampla defesa, pouco importando, dentro deste contexto, se durante o procedimento foram colhidos dados relevantes para a conclusão final, que culminou com sua exoneração.
A violação ao art. 249 da Lei Municipal 1.323/96, é evidente, não sendo suficiente ter apontado a Portaria 10.333/07, o dispositivo legal que teria sido violado.
Ademais, observa-se que o procedimento administrativo em pauta foi autuado como sindicância Administrativa. Justamente por ser peça informativa, não poderia ter sido utilizada para exoneração do servidor, mas sim para instauração de um Procedimento Administrativo, narrando os fatos colhidos na sindicância, para, aí sim, a partir de dados sólidos, pormenorizados, imputar ao servidor a pena adequada. A abertura de processo administrativo disciplinar, ao contrário, já pressupõe a existência e a definição de uma falta administrativa e do respectivo autor, tanto que a portaria inicial instauradora do feito corresponde a uma acusação, assemelhando-se à denúncia no processo penal, de sorte que o servidor é chamado para defender-se de infrações já investigadas e determinadas, com vistas a que possa expor suas razões e produzir provas em seu proveito.
Cito, neste ponto, o Prof. Romeu Felipe Bacellar Filho, que pontifica, oportunamente, o seguinte:
"a instrução sem contraditório não tem validade processual [...] não há prova formada fora do contraditório [...] não se concebe uma prova sem a rigorosa fiscalização do adversário [...]. (Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998)
Neste sentido, prestadia a citação de duas decisões do STJ:
"Por ocasião da citação inicial no processo administrativo disciplinar, não foram explicitadas as condutas ilícitas imputadas à servidora, tampouco indicados os preceitos legais eventualmente violados. A investigada, portanto, no momento em que foi cientificada da instauração do processo administrativo disciplinar, desconhecia as razões pelas quais estava sendo investigada, o que lhe impossibilitou o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Impõe-se, pois, a anulação do processo administrativo disciplinar a partir da citação. 5.Recurso ordinário provido. Segurança concedida, em ordem a anular o processo administrativo disciplinar desde a citação. (RMS 14901/TO, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª Turma, j. em 21/10/2008)"
"Em se tratando de procedimento sumário, marcado pela celeridade na sua instauração e conclusão (trinta dias prorrogáveis por mais quinze dias), determinou o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (arts.133, I, e 140, Lei nº 8.112/90) que, para a devida observância do princípio constitucional da ampla defesa, na portaria de instauração do processo disciplinar deve ser indicada a materialidade da transgressão com, no caso de abandono de cargo, a indicação do período de ausência do servidor superior a trinta dias. (REsp 500497/PE, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª Turma, j. em 17/02/2009)"
Portanto, adoto os argumentos da sentença como foram de decidir, para manter a bem lançada sentença.
ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso e manter a sentença em sede de reexame, nos termos do voto do relator.
Presidiu a sessão o Desembargador Idevan Lopes, sem voto, e dele participaram o Desembargador Rubens Oliveira Fontoura e o Juiz Substituto em 2º Grau Sérgio Roberto N. Rolanski.
Curitiba, 27 de julho de 2010.
Fernando César Zeni Juiz Substituto em 2º Grau
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